Personagem do bem

terça-feira, Junho 29, 2021

A encantadora história de um formador de cidadãos

Em 1999, por meio do karatê, ele começou em Jardim Alegre, onde reside, um projeto social que tem ajudado a transformar a vida de crianças e jovens carentes, criando campeões. “É o propósito da minha vida”, diz Wagner Prudêncio, que gerencia a filial da Cocamar Máquinas em Ivaiporã

“Em casa a gente não tem comida”. A triste afirmação ouvida de um menino numa instituição pública de Jardim Alegre (PR), em 1999, onde alunos do ensino básico faziam o contraturno escolar e recebiam alimentação, chocou o jovem Wagner Prudêncio, então com 17 anos. Ele tinha ido até lá para entreter os estudantes com uma apresentação de karatê, luta marcial à qual se dedicava desde os 9.

Wagner, hoje com 39 anos, é o gerente da filial da Cocamar Máquinas em Ivaiporã, município vizinho. Ele ingressou na concessionária há sete  anos, onde lidera uma equipe de 15 colaboradores. É casado com Rafaela e tem um filho.

“Ao ouvir aquilo, fiquei com o coração partido”, recorda-se. Aquele menino jamais poderia imaginar que, tão espontâneo e com sua frase tocante, estaria desencadeando um projeto de grande alcance social que mudaria a vida do lutador de karatê e de centenas de outras crianças e jovens do município.

Nascido em Assaí, ele sempre se viu no meio de tratores, pois o pai, Mário Sérgio, trabalhava para os donos da concessionária Nortrac e Horizon (a qual, em 2018, foi absorvida pela Cocamar Máquinas). Sua família viveu em Apucarana e Ivaiporã antes de fincar raízes em Jardim Alegre.

“Eu era bagunceiro na escola e tinha vontade de praticar karatê”, conta. O pai e a mãe não queriam, mas Wagner deu um jeito de convencê-los e começar a treinar em Apucarana com o professor Expedito Borges, um sensei – palavra que, em japonês, tem o significado de instrutor, sendo também um título de honra para pessoas que ensinam algo ou são especialistas em sua área de atuação.

Então, ele se manteve envolvido com o karatê e, sendo da cidade, foi convidado a apresentar-se na instituição, onde era aguardado pelas crianças e jovens – todos de famílias de baixa renda.

“Depois daquele dia, decidi começar imediatamente o projeto que se tornou o propósito da minha vida. E foi com a cara e a coragem”, comenta. Animado com a receptividade dos alunos, passou a dar treinamento duas vezes por semana, utilizando o salão da assistência social e o ginásio de esportes. Eram 120 praticantes da faixa de 6 a 18 anos, divididos em grupos.

Dali em diante, nada alteraria sua determinação em trabalhar voluntariamente para, por meio do karatê, ajudar na formação de cidadãos, ainda que precisasse desdobrar-se e até superar desafios. Começou a cursar educação física em Arapongas e, de 15 em 15 dias, ia a Pitanga e Curitiba para treinar com dois sensei, Manoel Zacarias e Guilherme Antônio Carolo (este último, inclusive, foi quem deu a liberação para ele começar o grupo).  “Todo o conhecimento eu ia passando para a meninada.”

Para os alunos, foi muito mais que uma novidade, mas um grande aprendizado. Aos poucos, eles incorporaram a filosofia da arte marcial, que exige disciplina, respeito e companheirismo. As únicas exigências para participar era que tivessem frequência escolar e bom comportamento.

Como, inicialmente, não havia recursos para nada, Wagner teve a ideia de organizar uma grande horta com a participação da turma que, empolgada, fazia a colheita e saía às ruas para oferecer os produtos de casa em casa, arrecadando recursos. Muitos salgadinhos também foram vendidos. Com esse mutirão, e o apoio de algumas pessoas, foi possível comprar os primeiros quimonos (o vestuário do karatê), viabilizando assim a participação do grupo em competições por cidades vizinhas. “Não queríamos simplesmente dar os quimonos, eles tinham que ir atrás e dar valor a essa conquista.”

Em São João do Ivaí, já na primeira disputa, os pequenos atletas surpreenderam ao garantir para a cidade de Jardim Alegre o título de campeã geral. A partir daí, as portas foram se abrindo para muitas outras façanhas.  

Em paralelo a isso, nas viagens, o relacionamento entre todos se fortalecia. “Levávamos marmitinhas e comíamos juntos, em meio a muita alegria”, diz o instrutor, sempre atento ao aspecto educativo: levavam também sacos de lixo para que as crianças aprendessem a não descartar os resíduos por aí.

 Assim que Wagner fundou a Associação de Karatê de Jardim Alegre, com CNPJ e tudo, a prefeitura doou um salão de 200 metros quadrados para os treinamentos e, quando há competições, disponibiliza um ônibus. Para a imagem da cidade é um bom negócio: do projeto social sairiam não só vencedores regionais, mas também campeões paranaenses, brasileiros e até mesmo uma vice-campeã mundial. E vários alunos, ao longo das décadas, foram chamados para defender a seleção paranaense .

 O karatê deu tão certo em Jardim Alegre que crianças e jovens de outras classes sociais se interessam em participar, mas 60% das vagas são asseguradas a alunos carentes. E, para incentivar o projeto, a Associação Comercial da cidade busca oportunidades para que, após os 16 anos, jovens comecem a trabalhar no comércio local.

 Wagner, que também se graduou até chegar a sensei pela Federação de Karatê-do Tradicional do Paraná, conta que uma de suas referências, o sensei curitibano Guilherme Antônio Carolo, (aquele que o liberou para começar), é diretor de projetos sociais da entidade e vem periodicamente à Jardim Alegre para administrar treinamentos, cursos e exames de graduação, o que faz também em vários outros municípios do estado. A pandemia interrompeu parcialmente as atividades, mantidas por ora apenas com os jovens.

 “Formamos uma equipe com alunos que hoje são instrutores”, acrescenta. São eles Edson Antonio da Silva , Anderson Amaro de Lima e Kellen Gusmão Leal, que substituem o chefe quando, em razão do trabalho, ele não consegue acompanhar. Há também dois alunos, Cesar Arruda Campos e Luciana Azevedo Rodrigues, que estão desde o início.

 “No tatame todos querem vencer, mas nossos atletas são preparados principalmente para vencerem na vida como cidadãos de bem”, ressalta Wagner, afirmando ser este o maior legado do karatê. Ele diz não fazer planos para o futuro, “sou uma pessoa realizada”, justifica, mencionando aproveitar cada momento entre os alunos. E quando olha para trás, constata que muitos deles conseguiram construir suas vidas, em grande medida, a partir dos ensinamentos que procurou transmitir.  



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